Thursday, April 3, 2014

Fabio Porchat fala sobre nova série do Porta, polêmicas e cinema brasileiro

- De onde surgiu a ideia de produzir uma série? Vocês já tinham pensado em algo assim? No ano passado a gente começou a pensar no que poderia fazer de novidade este ano e, além de manter as esquetes às segundas e quintas, a gente pensou que a série poderia ser um ótimo próximo passo. Esse ano a gente deve lançar quatro séries e essa Viral é a primeira de todas.

- Vocês já tinham a intenção de abordar o assunto da AIDS ou foi algo que surgiu naturalmente? Eu que tive a ideia e escrevi. E eu pensei justamente na AIDS porque é um assunto que não se fala muito mais, parece que saiu de moda, como se a AIDS tivesse acabado. Eu acho que é um ótimo assunto e eu nunca vi ninguém fazer humor com esse tema então isso sempre me instiga, quando se trata de algo relativamente novo, diferente. No Porta a gente procura sempre abordar alguns assuntos de uma forma diferente. Eu me inspirei muito naquele filme 50%, que é um drama com o Seth Rogen, no qual eles fazem graça com câncer e então eu pensei: ‘por que não com a AIDS?’, aí me veio essa ideia e eu escrevi quatro episódios pensando nisso.

- Como vocês fizeram para fugir dos clichês de tudo que já foi feito, tanto no cinema, na televisão? Justamente fazendo piada com o assunto. Eu nunca tinha visto ninguém fazer isso, então é difícil ficar no clichê fazendo piada sobre isso porque não existe. O que eu tentei evitar foram alguns clichês dramáticos. Por exemplo, o Gregório é o personagem que é portador do vírus e ele não é magro, não está acabado, ele não está péssimo, ao contrário, ele está barbudo, bem, tranquilo. O que a gente quer passar com a série é que hoje em dia a pessoa tem AIDS e ela vive normalmente, diferente do que acontecia há vinte anos, quando você estava praticamente condenado à morte. Hoje em dia é algo que você vai levar para o resto da vida, vai ter que se cuidar, como se tivesse diabetes.

- Vocês tiveram que cortar piadas e tiradas para que elas não pareçam ofensivas ou sejam entendidas de maneira errada? Nada. Curioso que não, sabia? Eu escrevi e mandei para o Ian, o diretor, ler, para o Gregório, e eles adoraram. Então eu não tive que mexer em nenhuma piada por que alguém achou forte. Eu já escrevi sabendo disso, porque a gente não está rindo do doente, a gente está rindo da ignorância e do preconceito, é disso que a gente tira sarro e é isso que acaba sendo muito mais engraçado.

- Vocês fizeram algum tipo de pesquisa sobre o assunto?  Eu fiz várias pesquisas, li muitas coisas na internet para entender mais sobre o assunto, alguns detalhes, e descobri que tinham coisas que eu não sabia. Consultei uma médica de São Paulo, conversei com ela, mandei os textos para ela ler para ver se precisava de alguma correção, se tinha algo que eu tinha falado de errado e ela, ao contrário, falou: ‘Nossa, parece que você conhece esse mundo porque você foi super delicado, não é desrespeitoso’. Eu fiquei feliz com isso e mandei o texto também para um cara que é militante, portador do vírus e ele falou: ‘Que bom que você está tocando nesse assunto’. Nenhum deles achou agressivo ou desrespeitoso em nenhum momento.

- Vocês geralmente tem esse mesmo cuidado e trabalho com as esquetes? Como é um seriado, é mais longo, são quatro episódios, e é um tema que eu não tenho tanto conhecimento, eu tive que pesquisar mais nesse sentido para não falar bobagem. Mas quando eu tenho que escrever uma esquete sobre, por exemplo, os dez mandamentos, eu pesquisei para ver o que diziam os dez mandamentos. No fundo, só tem graça quando é verdade. Mas, claro, para uma esquete de dois minutos geralmente eu não preciso fazer uma pesquisa para escrever.

- Mesmo tendo pesquisado a fundo, você acha que muita gente vai criticar essa abordagem do Porta? Como qualquer vídeo nosso, seja sobre AIDS, sobre política, sobre término de namoro, vai ter gente que vai gostar e gente que não vai gostar. Vai ter gente falando que não pode brincar com isso e outras que vão dizer: ‘Poxa, que bom que vocês estão tocando nesse assunto’. Vai ter gente que tem AIDS que vai dizer: ‘Que maravilha! Que divertido!’ e outros que vão dizer: ‘Que absurdo! Que falta de respeito!’. Mas, de um modo geral, todo mundo que viu, todo mundo que leu, aprovou 100%, ninguém nunca ficou com um pé atrás. É um tema como qualquer outro, isso que eu acho bacana.

- Precisou de um investimento muito maior para fazer a série do que geralmente acontece com as esquetes? Quanto tempo levou para fazer? Foi muito mais trabalhoso. Foram dez diárias para a gente rodar esses quatro episódios, muito mais atores, já que a gente convidou gente de fora para fazer também. Teve um cuidado maior com a produção, afinal de contas eram diárias maiores, cenas noturnas, a gente virou a noite. Então teve um cuidado a mais sim.

- Como foi sua reação em relação à ameaça de morte recebida pelo vídeo ‘Dura’? E em que pé está esse caso? Foi muito tranquilo, na verdade. Um cara em um blog escreveu um texto fazendo apologia ao crime e, uma semana depois, esse blog já tinha saído do ar. Na verdade a imprensa fez muito mais alarde do que realmente aconteceu. Quer dizer, eu estou em cartaz no teatro, qualquer pessoa que quiser me achar é só ir ao Shopping da Gávea de sexta a domingo que eu vou estar lá (risos), então não tem muito o que eu fazer. De um modo geral, a polícia colocou no seu site que respeita a liberdade de expressão, que é contra qualquer tipo de ameaça, não se sentiu ofendida. No BOPE as pessoas amaram nosso vídeo, então eu acho que só quem não gostou do vídeo foram os policiais corruptos. De resto, todo mundo se divertiu. Foi um caso isolado porque eu continuei saindo na rua, fazendo as coisas normalmente, não foi algo que eu me senti realmente ameaçado.

- E a questão do Feliciano. Depois do processo e das críticas, vocês ficam com medo de tocar nesses assuntos de novo ou foi só um motivado para falar mais ainda? Nem um pouco. No caso do Feliciano ele falou que ia entrar com uma ação, mas a gente não recebeu anda até agora. O Feliciano fica irritado com muitas coisas, não é só com a gente. Nós somos apenas uma das coisas que deixa ele incomodado. Mas eu tenho certeza que tem muito mais gente incomodada com o que ele diz do que com o que a gente diz (risos). A gente faz o que acha engraçado. Nós lemos o texto, se achamos engraçado, fazemos. São cinco sócios e os cinco aprovam o texto, então é difícil alguma coisa passar batida por cinco pessoas.
- Em que ponto a sátira se torna ofensiva? Ou isso é muito relativo? Depende de quem vê. Outro dia eu li uma frase boa do Rick Gervais que falava: ‘Não é por que você se ofendeu que você está certo’. Eu acho que sempre alguém vai se ofender, sempre vai ter alguém com uma visão contrária à sua. Não importa se é no humor, numa coluna, no jornal, alguma observação, uma frase, alguém vai se ofender. Ponto. O objetivo do humor é fazer rir. Se tem muito mais gente odiando do que rindo, talvez é melhor parar e prestar atenção no que você fez.

- Humoristas como Rafinha Bastos e Danilo Gentili, vira e mexe se metem em encrencas por suas piadas. Você acha que o humor deles extrapola um pouco esse limite em alguns momentos? Não. Eu acho que o humor é para ser engraçado e todo mundo consegue fazer humor mais ácido, mais negro, humor mais leve, humor tapa na cara. E eles fazem todos esses tipos de humor. As pessoas, de um modo geral, estão sempre meio propensas que ouvem uma coisa e já se ofendem e às vezes nem entendem direito. Mas tem casos e casos. Eu nunca me ofendi com piada nenhuma. Eu, Fábio Porchat. Mas tem gente que se ofende. A moça, doadora de leite, se ofendeu e ela tem todo esse direito, afinal, a vida é dela.

- Você acha que elas pessoas levam o humor a sério demais? O humor é para ser levado a sério. Quando a pessoa diz: ‘É só uma piada’, eu acho que é tirar um pouco o corpo fora. Assim, ela é uma piada e ela tem a força que uma piada tem, de todo mundo rir daquilo ali e uma das piores sensações do mundo é você ser alvo de risada. Quando está todo mundo rindo da sua cara, você não gosta. As pessoas hoje em dia estão meio sem humor, isso sim. Com a gente do Porta todo mundo tem reagido tão bem, a gente só ouve coisa boa. A gente tenta fazer o nosso tipo de humor e ele está sendo bem recebido por uma maioria esmagadora.

- Você vê que as séries americanas vivem um momento excelente, com grandes produções e o Brasil ainda engatinha nesse quesito. O que você acha que falta para produzirmos mais séries?  O que a gente precisa é de experiência. Os caras têm experiência e escrevem filmes desde 1920, bons filmes e têm escolas de roteiristas. No Brasil a gente vai começar a melhorar quando der mais valor ao roteirista. O roteirista é a alma do filme, é a alma do seriado. Quando a gente começar a dar valor ao roteirista, tudo vai começar a mudar. Tem que acabar com essa mentalidade de: ‘Ah qualquer um escreve uma piada. A gente chama uma meia dúzia de pessoas aí e escreve’, não é assim. Lá o roteiro é levado a sério. Tanto que os roteiristas entraram em greve e parou tudo, o cinema, a televisão, não tinha mais nada, acabou. Aqui se um roteirista entrar em greve, o pessoal chama algum tio engraçado, que um dia já contou umas piadas bêbado no Natal. Então o dia que o roteirista começar a ter valor aqui no Brasil, a gente vai ter uma melhora significativa, com certeza.

- Quais serão os próximos planos do Porta? A partir do primeiro sábado da Copa do Mundo a gente vai lançar toda semana esquetes sobre futebol. Desde vestiários, comemoração de gol, vai ter de tudo. E em agosto a gente lança o nosso próximo seriado, que a gente ainda não posso falar qual é.


- E o filme do Porta? Ano que vem. Essa é a ideia. Se tudo der certo, começamos no ano que vem.