Thursday, December 26, 2013

Entrevista com Neville Page, designer de 'Avatar'...e muitos outros sucessos

As superproduções de Hollywood dificilmente teriam o mesmo reconhecimento sem os efeitos especiais e também os personagens e criaturas das mais diversas e curiosas aparências contracenando com os protagonistas de carne e osso. Esses monstros e animais ganham vida na tela graças aos creature designers, ou designers de criaturas. E um dos artistas mais experientes e influentes no ramo é o britânico naturalizado americano Neville Page. Filho de um músico e uma dançarina, Neville nasceu na Inglaterra no berço do entretenimento. 

Conhecido pelos trabalhos em filmes como Super 8, Star Trek e Avatar, o designer começou a carreira em Los Angeles como ator de teatro e de comerciais com o sonho de se tornar o próximo Luke Skywalker, de Star Wars, e trabalhar em um grande set de filmagem. No entanto, após alguns anos no palco sem conquistar nada próximo de uma guerra nas estrelas, escolheu outro caminho para chegar ao seu objetivo e partiu para o design. Após trabalhar como designer industrial para marcas de automóveis, voltou para Los Angeles, onde fez alguns contatos e conseguiu participações, mesmo que pequenas, em filmes como X-Men e Hulk.

Mas foi entre 2003 e 2004 que Neville começou a escrever seu nome entre os principais artistas visuais de Hollywood quando recebeu um convite de James Cameron para trabalhar em sua nova produção, Avatar. As criaturas azuis do filme de Cameron foram apenas alguns degraus para o auge do designer, que acabou se consolidando quando recebeu um convite de J.J. Abrams para trabalhar no filme Cloverfield. A parceria com o diretor foi além do monstro que aterroriza a cidade de Nova York. “Aceitei e acabei trabalhando com ele em outros filmes, como Star Trek e Super 8, o que me colocou onde estou hoje”, conta o designer. Também constam em seu currículo os filmes As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, Watchmen, Prometheus e Minority Report, além das séries Terra Nova e Falling Skyes.

Perguntado a respeito do cinema brasileiro e como o país pode ganhar grande renome internacional, Page diz para apostar nos blockbusters e em filmes que não exijam muita atenção do espectador. “O país precisaria de trabalhos que chamassem a atenção de Hollywood e do mundo, um filme que o mercado internacional ache incrível, e que se faça entender sem exigir muito do espectador. Quer dizer, que seja puro entretenimento”. Confira a entrevista com o designer de criaturas Neville Page.

Designer de Criaturas Neville Page

É possível ser completamente original nas criações dos personagens? Eu acredito que não podemos criar no design coisas que nunca vimos antes. Muitos diretores pedem isso, ‘Desenhe algo que eu nunca vi na minha vida’, mas não é bem assim, eu posso desenhar algo que você nunca viu, mas aí você não vai gostar. Posso desenhar dois olhos brilhantes com testículos e um moicano peludo. Eu nunca vi isso, e sabe por quê? Por que é uma porcaria (risos).  Você tem que criar algo que nunca foi feito, mas que seja metafórico, baseado em algo que já exista, senão as pessoas vão achar estranho e não vão se divertir com o personagem nem seguir a história. James Cameron me ajudou a entender isso em Avatar. A criatura tem que ser traduzível. Por exemplo: vai ser algo parecido com um cavalo? Um pássaro? Um lagarto? É quando estabelecemos essa base que conseguimos criar.

Um bom designer deve exigir inovação de si mesmo? Sim. Não tenho filhos, mas acho que cabe uma analogia aqui. Quando você tem seu primeiro filho, vive experiências inéditas. Se tem uma segunda criança, passa a fazer as coisas de um jeito melhor e com mais cuidado. Com as criaturas, que são meus filhos, é parecido, pois na primeira vez que você desenha logo se dá por satisfeito, mas depois se torna mais exigente com o que faz. Você começa a se envolver mais com os personagens, porque já fez muitos desenhos e tem que se policiar para não se repetir, ou ao menos repetir detalhes que deram certo e melhorar o que ficou ruim.

Os diretores geralmente dão liberdade a você para criar o que quiser ou há muita interferência? Alguns diretores têm uma visão específica do que querem, como James Cameron e Ridley Scott, que também sabem desenhar. James tinha em mente a ideia das criaturas de Avatar dez anos antes de o filme ser feito. Quando uma pessoa assim consegue o dinheiro para tocar um projeto, ela simplesmente chega ao designer e fala, ‘É isso que eu quero’. Mas, em algumas situações, James pedia coisas como pequenos insetos que eu criava da minha própria cabeça. Também acontece de um diretor, como é o caso de Steven Spielberg e J.J. Abrams, descrever ao máximo o que quer, sem saber exatamente o que é. Então, o designer, como um artista visual, precisa ajudá-lo a visualizar o que deseja. Meu trabalho é observar essas pessoas e ajudá-las a esclarecer suas ideias.

Os filmes em formato 3D interferem no seu trabalho de alguma maneira? Não necessariamente. A única situação em que, teoricamente, o 3D faz diferença, é quando o filme precisa ser menos sério, quando você quer se utilizar da graça da tecnologia. Então, você pode escolher uma criatura que tenha, por exemplo, um chifre enorme – chifre que, quando ela se aproximar da câmera, chegará perto do espectador. O que de fato interfere no trabalho dos designers é a resolução do 3D, como no caso dos filmes em alta definição. Antigamente, como a definição não era tão perfeita, tinha borrões, não era preciso desenhar os personagens com precisão tão extrema. Mas hoje, quando você vê frame por frame de um longa, é possível observar os detalhes de cada fio de cabelo, do rosto e da maquiagem e corrigir os erros.

O que acha do cinema brasileiro? Vou especular, pois não tenho conhecimento aprofundado sobre o assunto, mas, pelo que já observei, o Brasil tem vontade e paixão de sobra. Para mim, o que falta é experiência, além de uma melhor estrutura econômica, ou de um maior envolvimento do governo, sem isso fica difícil para o Brasil competir no mercado global. O país precisara de trabalhos que chamassem a atenção de Hollywood e do mundo. Uma vez que tiver isso, o mundo começará a ver que o cinema brasileiro pode ser um sucesso financeiro. Posso fazer uma analogia com comida. Pense no Mc Donald’s como uma companhia multibilionária, mas que não faz comidas muito rebuscadas, é apenas um hambúrguer com batatas e refrigerante. Existem pessoas que apreciam uma cozinha mais sofisticada, mas a maioria prefere algo simples e acessível. Acho que o Brasil pode fazer filmes pequenos e excelentes, mas que precisa de alguns Big Mac’s (risos). Precisa de um filme que o mercado internacional ache incrível, e que se faça entender sem exigir muito do espectador. Quer dizer, que seja puro entretenimento, como Star Trek, que é um bom longa, não porque tem uma caracterização fenomenal dos personagens ou um tipo único de roteiro, mas porque agrada a um grande número de pessoas, não importa a idade ou a cultura.

Os softwares e programas mudaram muito desde que você começou a trabalhar no meio? Muito. Nós costumávamos desenhar apenas com papel e caneta, esculpir com argila. Ainda se faz isso até hoje. Por volta de 1989, um professor falou a respeito de uma máquina que estava desenhando, uma caixa com outra caixa dentro, de onde saía um fluido com água mágica que, uma vez tocada por um laser, se transformava em algo totalmente diferente. Era tudo computadorizado, algo incrível para a época e que hoje fazemos o tempo todo. Uma coisa que aprendi desenhando produtos médicos e esportivos é a usar programas de computador para visualizar e fabricar melhor as coisas. O Zbrush (ferramenta para desenho digital) já existia, mas funcionava mais para brincar do que necessariamente para criar coisas. Na produção de Avatar, eu cheguei a mostrar para James Cameron que se tratava de uma ferramenta para esculpir digitalmente personagens e criaturas, mas que ninguém queria se arriscar a usar em um filme. No começo, ele foi resistente e preferiu continuar com papel e caneta e argila, pois achava que o processo digital demoraria mais. Então, decidi criar a mesma coisa duas vezes – com argila e digitalmente. A primeira levou uma semana para ficar pronta, a segunda apenas um dia, e foi aí que eu o convenci. Por isso, arrisco dizer que Avatar foi inovador quanto à criação de personagens. Com o tempo, as pessoas começaram a adotar essa ferramenta. Não fui eu quem a inventou, mas fui um dos pioneiros a usá-la no set.

Quais sãos seus próximos planos e projetos? Acabei de finalizar o filme Noé, dirigido por Darren Aronofsky (Cisne Negro), e estou desenvolvendo outros, como Goosebumps, que era um seriado de televisão e deve ser adaptado para o cinema.

Qual você considera o seu melhor trabalho? Tem vários, mas um que me marcou muito é a criatura de Super 8. Ninguém sabe como essa criatura parece além de mim e J.J. Abrams, pois você não a vê no filme. Essa é a escolha do diretor, pois o filme não é sobre a criatura, ela é apenas a antagonista da história, o problema a ser resolvido. Outra criatura que eu gostei de ter desenhado foi um bicho gigante e vermelho que sai de uma placa polar no primeiro Star Trek.

Entrevista realizada no dia 18 de outubro de 2013.